Sou usuário do Linux há mais de vinte anos e sempre tive vontade de testar o emacs juntamente com o emacspeak. Isso nunca foi possível por falta de recursos ou por falta de tempo. Agora que consegui conciliar esses dois fatores estou me aventurando nesse mundo. O objetivo principal desse documento é transmitir aos leitores algumas noções básicas sobre o emacs e o emacspeak, bem como registrar o meu aprendizado.
O GNU emacs, um editor criado por Richard Stallman, teve a sua primeira versão lançada em 1985. Além de ser utilizado como um editor de textos para vários tipos de arquivos, o emacs possui recursos que permitem a sua utilização como um gerenciador de tarefas. Podemos por exemplo utilizar o emacs para operar em:
- Arquivos
- Editar
- Copiar
- Remover
- Renomear
- e-mails
- Ler
- Enviar
- Shell
- Executar comandos
- Programas
- Compilar
- Executar
- Depurar a execução
- Navegar na internet
- E muitas outras operações
Esses recursos permitem que um desenvolvedor possa executar praticamente todas as tarefas a partir do emacs sem precisar mudar para outro ambiente.
Em 25 de abril de 1995, T. V. Raman, um funcionário cego da Adobe, criou a primeira versão do emacspeak. O emacspeak é uma aplicação integrada ao emacs que apresenta usando um sintetizador de voz o conteúdo produzido pelo emacs. Talvez essa seja uma descrição modesta do emacspeak, já que ele pode ser considerado um desktop falante que inclui além da leitura de tela, ícones sonoros, e uma versatilidade praticamente ilimitada. Por exemplo, numa versão recente, o Raman lançou paisagens sonoras, uma opção que ajuda a descansar nossos ouvidos depois de um longo dia, permitindo que continuemos usando o sistema mas com sons da natureza tocando junto ao sintetizador. O autor testou e falou que aliviaram o seu cansaço.
Já foi dito que o Emacs, e por consequência o Emacspeak, são um sistema operacional leve e não um editor pesado, por ter tanta funcionalidade.
O emacspeak permite que uma pessoa cega possa utilizar um computador a partir do emacs, desde que essa pessoa saiba utilizar esse editor.
Antes de começar a utilizar o emacs, é preciso conhecer alguns conceitos empregados nessa ferramenta.
Um objeto utilizado pelo emacs para armazenar algum tipo de texto. Toda vez que um arquivo é aberto, o emacs cria um buffer para armazenar o conteúdo do arquivo aberto. Da mesma forma, se visitamos um diretório utilizando o emacs, um buffer é criado para armazenar a lista de objetos do diretório. O mesmo vale para quando estamos lendo ou enviando e-mails, navegando na internet, lendo a documentação do emacs e etc. Cada buffer criado no emacs possui um nome único, e boa parte das operações executadas no emacs atuam no buffer corrente.
A posição atual no buffer aonde a maioria dos comandos de edição terão efeito. O emacs se refere a essa posição pelo nome de point. A posição sempre é atualizada quando algo é inserido ou removido. Por padrão, o cursor no buffer corrente é mostrado como um bloco sólido e parece estar em um caractere, mas você deve pensar no point como se ele estivesse entre dois caracteres; Ele está situado antes do caractere sob o cursor. Por exemplo, no texto ‘tste’ com o cursor sobre o ‘s’, então o point está entre o ‘t’ e o ‘s’ Se inserirmos um ‘e’, esse caractere será inserido antes do ‘s’ e o point será posicionado entre o ‘e’ e o ‘s’, sendo que o cursor permanecerá sob o ‘s’. O emacs possui comandos para mover o point para outra posição e cada buffer possui um point individual. Apenas como curiosidade, o termo “point” vem do caractere “.”, Que era o comando em TECO para acessar a posição de edição. O teco é a linguagem em que o Emacs original foi escrito.
Uma marca lógica colocada na posição do buffer identificada pelo point. Essa marca serve para salvar o valor do point no momento em que ela foi inserida. Várias marcas podem ser atribuídas.
um bloco de texto no buffer delimitado por um mark e pelo o point. Vários comandos do emacs atuam em uma region.
O Kill Ring é um objeto único utilizado por alguns comandos do emacs para armazenar blocos de texto. Podemos por exemplo definir uma region e copiá-la para o Kill Ring. Alguns comandos utilizados para remover texto também copiam o texto removido para esse objeto. Por padrão, até 60 blocos podem ser armazenados.
É o processo de copiar um bloco de texto armazenado no Kill Ring para um buffer.
Abrir um arquivo para leitura ou para edição. Quando um arquivo é visitado, o seu conteúdo é copiado para um novo buffer.
Um buffer especial utilizado pelo emacs para interagir com o usuário. Quando por exemplo queremos Visitar um arquivo ou executar um comando, o emacs pergunta o nome do arquivo ou o comando a ser executado utilizando o mini buffer. O mini buffer também salva o histórico de interações anteriores permitindo o reaproveitamento de digitações prévias utilizando comandos do emacs. O mini buffer permite ainda que a tecla tab seja utilizada no complemento de comandos do emacs e na digitação do nome de arquivos
Qualquer operação realizada no emacs é feita através da execução de um comando, que pode ou não estar associado à teclas de atalho. Se queremos por exemplo visitar um arquivo, podemos executar o comando find-file ou pressionar a combinação de tecla C-x C-f, que por padrão está associada ao comando find-file.
Para executar o comando find-file nós pressionamos a combinação M-x, digitamos find-file e pressionamos a tecla RET (tecla enter). Feito isso, o emacs utilizando o mini buffer vai nos pedir o nome do arquivo a ser visitado. Digitamos o nome do arquivo e pressionamos RET. Será criado um novo buffer com o conteúdo do arquivo caso ele exista ou um buffer vazio caso o arquivo não exista.
A qualquer momento é possível utilizar a tecla tab para completar algo faltante. Podemos pressionar M-x, digitar find-fi e pressionar a tecla tab. O emacs vai completar o restante do comando find-file. O mesmo se aplica quando estamos digitando o nome do arquivo a ser visitado. É possível digitar parte do nome do arquivo e pressionar a tecla TAB para o complemento.
Uma das boas coisas do emacs é a sua extensa documentação, disponível mesmo que não haja conexão com a internet. A qualquer momento é possível acessá-la utilizando comandos do emacs. Além de podermos acessar a documentação, é possível também acessar a documentação dos pacotes instalados, e tudo isso com o apoio do emacspeak. Um dos problemas dessa documentação é que ela está geralmente em inglês, o que pode ser um problema para quem não tem algum conhecimento desse idioma.
O emacs possui um tutorial muito interessante que deve ser consultado por quem quer se iniciar nessa ferramenta. Esse tutorial fornece uma boa ideia de como navegar nos buffers, editar, procurar e substituir textos, alternar entre buffers e muito mais.
Para acessar a esse tutorial basta pressionar a combinação de teclas C-h t.
Consulte a tabela atalhos de ajuda para mais comandos.
Alguns comandos de ajuda do emacs utilizam um buffer chamado help para armazenar o conteudo da ajuda. Esse buffer é criado automaticamente pelo emacs e assim que é povoado é lido pelo o emacspeak. O buffer help pode ser acessado como qualquer buffer e o seu conteudo pode ser explorado e copiado como o conteúdo de qualquer buffer.
Antes de ler essa sessão, recomendamos que você leia a sessão Conceitos utilizados no emacs e a sessão descrição em teclas de atalho no emacs.
Para editarmos um arquivo no emacs precisaremos inicialmente copiar o seu conteúdo para um buffer. Para tal devemos utilizar a combinação de teclas C-x C-f.
Assim que pressionamos essa combinação de teclas, o emacs, utilizando o mini buffer, vai solicitar o nome do arquivo a ser visitado. Digite o nome do arquivo e pressione a tecla RET para que o emacs copie o seu conteúdo para um novo buffer. Caso o arquivo não exista, um buffer vazio será criado. Não custa lembrar que o emacs não altera diretamente um arquivo, mas sim um buffer.
Uma vez criado um buffer e desde que ele não seja somente para leitura, podemos inserir e remover texto no mesmo sem restrições.
Qualquer tecla pressionada, desde que não esteja associada a algum comando, terá a sua representação inserida no buffer na posição identificada pelo point. Ou seja: para inserir texto em um buffer basta digitar o texto desejado. Podemos fornecer um fator de repetição para um caractere a ser inserido e o emacs vai inseri-lo N vezes, de acordo com o fator de repetição. Para inserirmos por exemplo 50 ‘*’, pressionamos C-u 50 *.
O emacs possui ainda comandos que inserem texto em um buffer. É possível inserir texto a partir do Kill Ring ou de um outro arquivo existente. Consulte a tabela Atalhos de inserção de texto
A tecla del remove o caractere que está a direita do point e a tecla backspace remove o caractere que está a esquerda do point. Após a remoção ou a inserção, o point será atualizado para refletir a nova posição. Caso exista um mark ativo, as teclas del e backspace vão remover a region delimitada pelo mark e o point ao invés de simplesmente remover o caractere. O texto removido por essas teclas não será salvo no Kill Ring. Caso se queira remover um texto e copiar o mesmo para o Kill Ring, pressionamos C-w.
Existem comandos do emacs que copiam texto para o Kill Ring. Uma vez que o texto está armazenado no Kill Ring, podemos copiar esse texto para qualquer buffer que suporte edição. O emacs dá ao processo de cópia o nome de Yank.
Podemos por exemplo criar uma region pressionando c-spc e mover o point para uma posição qualquer do buffer, e pressionar a sequencia de teclas M-w. O texto entre o mark e o point será copiado para o Kill Ring. Agora podemos mover o point para outra posição do buffer ou de um outro buffer e pressionar a sequencia de teclas c-y. O último texto salvo no Kill Ring será copiado para a posição indicada pelo point. Caso o texto a ser copiado para o buffer não seja o último salvo, basta pressionarmos M-y após termos pressionado C-y.
Além das setas do teclado normal, existe também um conjunto de Atalhos para navegação em um buffer. Todas as teclas de navegação atualizam o point e algumas foram remapeadas pelo emacspeak. Veja uma descrição completa das teclas em Atalhos para navegação.
Boa parte dos comandos no emacs podem ser executados através de teclas de atalho. Existem duas teclas importantes no emacs, a tecla Control e a tecla meta, tecla Alt do Windows. Caso o seu teclado não possua a tecla Alt ou você não possa utilizá-la por alguma razão, você pode fazer uso da tecla escape. A notação para referenciar atalho de teclas no emacs usa a seguinte convenção: A letra C com traço e outra letra, é Control mais a outra tecla. Por exemplo:
- C-f
- devemos pressionar control+f
- C-x
- devemos pressionar control+x
- C-e s
- devemos pressionar control+e e depois a tecla s, liberando antes a tecla control e a tecla e.
Também é usada a letra M para indicar a tecla que é chamada Meta, ou seja, a tecla mais conhecida como tecla Alt. Por exemplo:
- M-x
- devemos pressionar as teclas Alt+x
- M-r
- devemos pressionar as teclas Alt+r
Caso você não queira ou não possa utilizar a tecla Alt, pressione e libera a tecla escape e pressione a tecla x ou r, dependendo do exemplo.
As tabelas a seguir contem as principais teclas de atalho do emacs bem como o comando associado a cada uma delas.
Sequencia de teclas | Descrição | Comando |
---|---|---|
<<<M-x>>> | Executa um comando do emacs [fn:2] | execute-extended-command |
<<<C-x C-c>>> | Finaliza o emacs [fn:3] [fn:4] | save-buffers-kill-terminal |
Sequencia de teclas | Descrição | Comando |
---|---|---|
<<<C-x C-f>>> | Visita um arquivo para edição, criando um novo buffer | find-file |
<<<C-x C-s>>> | Salva o buffer corrente caso o mesmo tenha sido modificado | save-buffer |
<<<C-x C-r>>> | Visita um arquivo apenas para leitura, criando um novo buffer | find-file-read-only |
<<<C-x C-w>>> | Salva o buffer corrente perguntando antes o nome do arquivo no qual o buffer será salvo | write-file |
Sequencia de teclas | Descrição | Comando |
---|---|---|
<<<C-s>>> | Procura no buffer corrente pela expressão regular digitada. A procura é feita a partir do point para o final do buffer. [fn:5] | isearch-forward-regexp |
<<<C-r>>> | Procura no buffer corrente pela expressão regular digitada. A procura é feita a partir do point para o início do buffer. [fn:5] | isearch-backward-regexp |
Sequencia de teclas | Descrição | Comando |
---|---|---|
<<<C-spc>>> | Coloca uma marca lógica na posição aonde se encontra o point | set-mark-command |
<<<C-x>>> C-x | O valor da marca lógica recebe o valor do point e o valor do point recebe o valor da marca lógica | exchange-point-and-mark |
Sequencia de teclas | Descrição | Comando |
---|---|---|
<<<C-f>>> | Move para o próximo caractere [fn:6] | right-char |
<<<C-b>>> | Move para o caractere anterior [fn:6] | left-char |
<<<M-f>>> | Move para a próxima palavra | forward-word |
<<<M-b>>> | Move para a palavra anterior | backward-word |
<<<C-n>>> | Move para a próxima linha | next-line |
<<<C-p>>> | Move para a linha anterior | previous-line |
<<<C-a>>> | Move para o início da linha | move-beginning-of-line |
<<<home>>> | Move para o início da linha | move-beginning-of-line |
<<<C-e>>> | Move para o final da linha [fn:6] | move-end-of-line |
<<<end>>> | Move para o final da linha | move-end-of-line |
<<<M-a>>> | Move para o inÍcio da sentença | backward-sentence |
<<<M-e>>> | Move para o final da sentença | forward-sentence |
<<<C-home>>> | Move para o início do buffer | beginning-of-buffer |
<<<M-‘<’>>> | Move para o início do buffer | beginning-of-buffer |
<<<C-end>>> | Move para o final do buffer | end-of-buffer |
<<<M-‘>’>>> | Move para o final do buffer | end-of-buffer |
Sequencia de teclas | Descrição | Comando |
---|---|---|
<<<C-y>>> | Copia o último texto presente no Kill Ring para a posição indicada pelo point | yank |
<<<M-y>>> | Executado após um yank,, copia o texto anterior | yank-pop |
<<<C-i>>> | Insere o conteudo de umarquivo na posição indicada pelo point | insert-file |
Sequencia de teclas | Descrição | Comando |
---|---|---|
<<<C-h t>>> | Ativa o tutorial do emacs | help-with-tutorial |
<<<C-u C-h t>>> | Ativa o tutorial do emacs, perguntando antes o idioma | help-with-tutorial |
<<<C-h k>>> | Solicita uma combinação de teclas e exibe a sua documentação [fn:7] | describe-key |
<<<C-h v>>> | Solicita o nome de uma variavel e exibe a sua documentação [fn:7] | describe-variable |
<<<C-h f>>> | Solicita o nome de uma função e exibe a sua documentação [fn:7] | describe-function |
<<<C-h i>>> | Ativa o modo info do emacs [fn:8] | info |
[fn:1] Colaboração do Fernando Botelho [email protected]
[fn:2] O emacs utiliza o mini buffer para solicitar o comando e a tecla tab pode ser utilizada para completar o comando.
[fn:3] Caso exista algum buffer modificado, o emacs pergunta se o mesmo deve ser salvo.
[fn:4] Caso o emacspeak esteja ativo, o emacs vai anunciar que existe um processo sendo executado e vai perguntar ao usuário se a finalização deve ser feita mesmo assim.
[fn:5] O emacs faz a procura a medida que a expressão é digitada e o emacspeak lê a linha na qual o texto foi encontrado.
[fn:6] Combinação remapeada no emacspeak.
[fn:7] Adocumentação será copiada para o buffer de ajuda.
[fn:8] Um formato de documentação que facilita a navegação